segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Para dar continuidade à terapia, era vital permitir-lhe a mais completa liberdade de ação em sua "encenação" infantil, como também aceitá-la totalmente e sem reservas, exatamente como ela se revelava. Tudo estaria perdido se o analista, através de um mínimo gesto ou tom, insinuasse qualquer aversão, ou até mesmo sorrisse um tanto indulgentemente à vista da mamadeira. Caso fizesse isso, ele teria, inevitavelmente, assumido o medonho papel daqueles pais ascéticos, privando para sempre a paciente da possibilidade de encontrar seu próprio caminho.

Ela tinha certeza de que se lambuzar com as fezes era, de alguma forma mágica, extraordinariamente benéfico para o universo. Estava apenas esperando ficar menstruada para também poder se besuntar com seu sangue. Sentia que isso provocaria a liberação total da fissão atômica.

Se não trouxe um benefício para o universo, essa permissão trouxe-o pelo menos para a paciente. Até esse momento, ela tinha sido atormentada por dores de cabeça intoleráveis, como se a parte superior de seu crânio estivesse aberta, e o cérebro exposto repleto de dor. Agora sua cabeça estava muito leve, livre de pressão. Pela primeira vez, sentia-se completa e inteiramente bem consigo mesma. Mas esse contentamento infantil durou apenas alguns dias. Era muito evidente que a atitude permissiva do terapeuta, combinada com a virtual redenção a ela concedida por esse benéfico intervalo infantil, estava começando a evocar na paciente sentimentos de amor e gratidão por ele. Ocasionalmente, enquanto sugava a mamadeira, levantava os olhos e olhava para o analista. Em tais momentos, o brilho caloroso de uma criança pequena substituía o olhar vago e vazio que havia em seus olhos. Esses sentimentos envolviam-na completamente. Eles não tinham relação alguma com seus estudos altamente especializados e nem podiam ser relacionados com a atitude altruísta rígida e recatada que sua educação reforçara. Portanto, só podiam ser vivenciados como algo alarmantemente estranho, perigoso e pecaminoso. Como conseqüência, seguiu-se uma série de experiências muito penosas e perturbadoras.

Ele havia comprado um ingresso para assistir a um concerto e, na noite, da apresentação, deparou-se com uma sofisticada senhora vestida de preto enquanto esperava em um ponto de táxi, a caminho do auditório. Podia sentir o olhar desdenhoso daquela mulher sobre ela, o que lhe provocou uma estranha sensação. Não queria perder a mulher de vista, mas ela confundiu-se com a multidão. Quando desceu do táxi, sentiu alguém puxá-la pelo braço. Virou-se para ver quem era, mas não havia ninguém. Devia ter sido a diabólica senhora vestida de preto. Chegando ao teatro, aquela mesma senhora sentou-se a seu lado, a mesma que tanto a atemorizara no caminho. A paciente ficou horrorizada, rígida, e não conseguiu ouvir praticamente nada da música. Assim que começou o concerto, teve certeza de que, no minuto seguinte, aquela senhora, ou o maestro de seu pódio, dariam o sinal para o destruição do mundo. Fugiu do local com todas as suas forças. No dia seguinte, uma amiga de outra cidade quis visitá-la, mas a paciente negou-se a vê-la. Estava convencida de que a amiga estava implicada em uma trama que almejava destruí-la.

No outro dia, a paciente foi ao restaurante costumeiro. Teve de usar óculos escuros, pois supunha que os malfeitores haviam feito algo a seus olhos, fazendo-a ficar quase cega. Assim que experimentou a comida, teve uma forte dor de estômago. Para ela, era um sinal de que havia sido envenenada. Então, as aparições das máscaras, que a tinham deixado em paz no período em que estava em seu paraíso infantil, retornaram. Novamente, o analista pediu-lhe que desenhasse os rostos. Rapidamente, entre as sombrias feições daquelas velhas tias puritanas e rostos demoníacos deformados, começaram a aparecer os primeiros esboços de uma bonita mulher, sedutora e sensual, disfarçada com uma máscara preta nos olhos (Fig. 8.) A própria paciente não havia notado esse elemento novo e o analista chamou sua atenção para esse detalhe deliciosamente saudável.

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