segunda-feira, 27 de setembro de 2010

O CASO DA DRA. COBLING

O caso da Dra. Cobling

Medard Boss

O quadro clínico

A paciente, a quem chamaremos Dra. Cobling, cresceu na atmosfera de uma comunidade rigorosamente ascética, caracterizada por uma excessiva preocupação com a mortificação da carne e com tudo o que a ela se relacionava. Uma auto-imagem extremamente rígida, inculcada desde a sua infância, impunha-lhe total abnegação e ilimitado sacrifício ao dever. Sob imposições cruéis, em virtude de sua excepcional inteligência, por uma indomável vontade e uma resoluta autodisciplina, conseguira chegar à direção médica de um importante sanatório psiquiátrico, o que lhe exigiu a superação de consideráveis dificuldades externas. Durante muitos anos, havia se sacrificado, sem limites, a serviço dessa instituição, cujos benefícios eram amplamente aproveitados por outros. Nesse processo, entretanto, havia se desgastado tanto que, aos trinta e seis anos – um pouco antes do início da análise –, estava à beira de um colapso total. Como era de se esperar, sofrera desde a juventude repetidas crises depressivas com vários meses de duração, que os médicos atribuíram a distúrbios endógenos. Todavia, até certo ponto, tinha, de alguma maneira, conseguido superar essas crises sem assistência externa. Um ano antes do início da análise, tinha perdido seu idoso pai. Desse momento em diante, começou a piorar de forma evidente. Sua vida interior sofreu também um extremo empobrecimento: tornou-se incapaz de qualquer tipo de sentimento, até chegar a uma espécie de petrificação espiritual; não conseguia mais pensar, era incapaz de reter ou captar o que lia; perdeu toda a iniciativa e toda a capacidade de concentração, podendo ficar horas a fio fitando fixamente o espaço, vazia de pensamento e fora de qualquer noção de tempo. Sofria de insônia e tensão. Com muita dificuldade, conseguia exercer apenas as atividades rotineiras devido à sua surpreendente força de vontade e com a ajuda de fortes sedativos. Um acentuado tremor das mãos, fino e rápido, e uma dilatação máxima das pupilas evidenciavam um alto nível de ansiedade. A própria paciente relutava em admitir esses fatos. Uma estranha compulsão ao suicídio dominava-a, tornando-se quase irresistível devido à insistência da idéia. Estava, sem dúvida, em um estado pré-psicótico altamente precário. Quando começou a análise, o mero esforço exigido para dominar os impulsos autodestrutivos tinham exaurido tanto a sua força física, que ela mal podia andar.

Inicialmente, o terapeuta encorajou a paciente a parar de levar o seu orgulho e a autoviolentação a tais extremos e a admitir sua incapacidade para trabalhar, permitindo-se, por uma vez, dar-se ao luxo de não trabalhar. Tendo seguido esse conselho, mal desistira de suas atividades profissionais, desligando-se, portanto, do último vestígio do seu modo de viver anterior, os primeiros sintomas psicóticos manifestos começaram a aparecer. Em plena luz do dia, rostos e um rebuliço de "máscaras elétricas" deformadas começaram a mover-se diante de seus olhos. Inicialmente, essas figuras tinham as feições daquelas senhoras rabugentas com quem convivera durante a juventude e que eram companheiras de sua mãe. (Figs. 1 e 2.) Logo após, visões sinistras de pregadores sectários, que ela havia conhecido tão bem, conjuravam-se a fim de atormentá-la. (Fig. 3.) A dança dessas máscaras deformadas tornou-se mais caótica e frenética. A fig. 4 capta um momento dessas danças selvagens e rodopiantes.

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