segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Como acontecera com as anteriores maneiras infantis de comportamento, esta abertura de si mesma para um âmbito feminino mais maduro trouxe uma enorme sensação de alívio. Experimenta uma grande onda de novas energias, começa a fazer excursões, cursos, consegue ler novamente, fala com estranhos sem medo, dorme ininterruptamente oito ou nove horas por noite, sem qualquer medicação pela primeira vez em vinte anos. Mas o poder tirânico de uma mentalidade familiar parental ascética provavelmente não aceita uma derrota com tanta facilidade. Assim, após um curto período de 5 dias, a paciente começa a mover-se furtivamente, queixando-se que as beatas estavam novamente atrás dela, sussurrando-lhe que ela era uma mulher das ruas, e que a primeira coisa que se sabia era que ela se masturbaria em público.

Apesar da evidência da resistência (e depois de um sonho na mesma sessão apontar-lhe o caminho) o analista aventurou-se a dar um novo passo.

A paciente sonhou que uma colega sua havia passado por uma série de tratamentos de choque de insulina, durante os quais ela sofre um ataque epiléptico, sentindo-se depois especialmente bem. O terapeuta lembrou-a que, estando acordada, ela muitas vezes expressara o desejo de receber um choque de insulina, para que pudesse sofrer um ataque, uma explosão induzida de forma médica, farmacologicamente determinada, na qual ela pudesse se soltar em um selvagem abandono passional, mas onde fosse mantida a impessoalidade, e sua responsabilidade completamente eximida. Por que é que ela não podia, mesmo em seus sonhos, deixar-se levar voluntariamente, pelo menos uma vez, por um verdadeiro acesso de delírio louco? Por que é que ela só podia proporcionar-se algo artificial e planejado, esse choque insulínico substitutivo? E além disso, ela não ousava nem mesmo assumir a responsabilidade por esses ataques induzidos de insulina. Ela os renegava, imputava-os a outra pessoa, deixando que sua colega fosse convulsionada por eles.

Como uma reação esclarecedora a essa questão, veio a primeira explosão impulsiva: "Cale a boca, seu idiota. Eu quero gritar". "Por que você não faz isso, então?"perguntou o analista. "Se eu gritasse do jeito que quero, pessoas viriam e pensariam que alguém estaria sendo morto", foi o que ela respondeu.

"Você realmente acha necessário submeter-se à opinião dos outros a esse ponto tão extremo? Isso não seria levar longe demais o cuidado e a cautela para com os outros?" perguntou o terapeuta.

"Sim nunca fiz nada em minha vida, a não ser aquilo que os outros esperavam de mim", ela admitiu. "Nunca tive coragem de agir espontaneamente, não da maneira que eu sentia."

O terapeuta deu-lhe um pouco mais de coragem, dizendo: "Tão terrivelmente boa, sempre." Depois disso, a paciente realmente conseguiu dar um grito meio sufocado.

O terapeuta ousou dar um incentivo final: "Muito bem. Quase tão alto quanto uma criança de verdade".

"Cale a boca", ela gritou novamente, dessa vez mais zangada que antes. Disse então, depois de um breve silêncio: "Eu quase me sinto um pouco excitada sexualmente agora".

"Quase?" retrucou ceticamente o terapeuta. Ela começou a se debater no divã, mas teve que se levantar, pois a sessão havia terminado.

Ao ir embora, disse: "Não me reconheço mais. Quem sou eu?"

"É para isso que você veio à análise", respondeu o analista.

Dois dias depois, a paciente iniciou a sessão dizendo que tinha se alimentado com a mamadeira naquela dia (coisa que vinha fazendo há meses) para fugir das sensações sexuais em sua pélvis. "Gostaria de me desculpar pelo meu comportamento na última sessão, por ter-lhe dito cale a boca."

O analista opôs-se a essa apreensão e a essa manifestação de decoro perguntando: "Você acha realmente que tal desculpa é necessária entre nós? Além disso, fui eu quem lhe pediu que fosse absoluta e francamente aberta e honesta aqui"

Logo após, a paciente espreguiçou-se relaxadamente e disse: "Eu não me sentia tão forte e em tanta harmonia comigo mesma há décadas". Não havia mais qualquer vestígio de sentimentos de estar sendo pressionada ou de alucinações auditivas no últimos dois dias. Ela tinha conseguido encontrar pessoas nas ruas, nos restaurantes e no teatro, de forma bastante diversa de seus sintomas psicóticos. Mas as risadas duraram pouco. Durante a sessão, a sensação de bem-estar foi abruptamente interrompida por um silêncio apreensivo e tenso. Após uma longa pausa, disse com hesitação que sentiria um impulso para se despir e para sair correndo nua pela rua. Chocara-se enormemente com esse impulso: "Vou me sentar", continuou, "uma sensação horrível que vem de baixo toma conta de mim, se eu sentar, posso forçá-la melhor a voltar para baixo. Percebo que anatomicamente sou perfeita lá embaixo, mas tenho a sensação de que ali existe senão um grande e repugnante buraco".

Deixou a sessão analítica muito tensa e deprimida. Durante a noite, telefonou ao analista, queixando-se: "Existe em mim uma tensão amedrontadora, é mais intensa do que qualquer um possa agüentar. Eu simplesmente não consigo agüentar isto". O médico aconselhou-a a livrar-se um pouco dessa tensão desenhando. Mais tarde, em um segundo telefonema, a paciente gritou ao telefone: "Quero rasgar meu ventre com uma faca de entalho. Quero talhar minhas artérias e sugar meu próprio sangue. Só de pensar nisso fico com água na boca". O terapeuta foi rapidamente a seu encontro. Encontrou-a sentada sobre sua cama, com uma expressão perturbada. Sua chegada mal foi notada, ela ouvia atentamente aqui e ali, como fazem normalmente esquizofrênicos alucinados. Recuava alarmada ao mínimo som. Finalmente, deixou claro ao analista que cada som tinha novamente um significado misterioso.

Esse pavor intolerável de um desastre recém-iniciado e o inominável final cataclísmico exigiam uma intervenção imediata: "Como alguém poderia melhorar", perguntou o terapeuta, "sem que o antigo mundo, neurótico, entrasse em colapso durante o processo? Ele é muito estreito e rígido para sobreviver. E se esse tipo de destruição da antiga prisão neurótica está acontecendo com você, será isso tão pavoroso? Estar tão cheia de apreensão como você está, e nada ouvir exceto morte e destruição, pode apenas significar que a pessoa ainda está aprisionada no erro de acreditar que seu próprio mundo, egocêntrico e neurótico, é a única possibilidade de existência e que, quando ele dá sinais de desmoronar, isso significa a chegada do juízo final. Para o ser real, essencial que é você, o que está acontecendo agora está muito longe de ser o fim. É uma mera modificação ocorrendo na sua forma de se mostrar."

Ainda um tanto cética, mas readquirindo confiança, ela conseguiu dar um sorriso pálido. Mas isso durou apenas um breve momento. Depois, seu olhar caiu sobre uns desenhos sanguinários, que ela havia espalhado pelo chão durante a noite (fig. 12), solicitando novamente sua atenção por completo, e ela se encolheu para dentro de si mesma.

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